Hoje levei minha gatinha no veterinário para tomar a primeira dose de vacina. Ela já estava meio irritada desde cedo, deu uma bela ameaçada no veterinário e na hora ele me perguntou se eu conseguia segurar ela ou se deixava com os ajudantes. Meu primeiro pensamento foi: melhor deixar com eles pra ela não achar que eu que estou causando a dor da picada. No fim acabei segurando e deu tudo certo.
Mas isso é algo que sempre pensei em relação a todos bichinhos de estimação que já tive: é horrível ser a pessoa que causa dor (injeção, remédio, banho) sem poder explicar que é para o bem deles.
Comecei a falar disso porque sempre tive essa dificuldade com pessoas também. Minha tendência sempre foi amaciar o golpe, falar meias verdades para não magoar. Me esquivar para não ser aquela que dá a picada. E fazer isso achando que estava poupando o outro e era melhor assim.
Mas quando olho para meus maiores arrependimentos, eles sempre contêm algum tipo de omissão. O não falar alguma coisa. Não expressar com clareza. Não dar minha opinião verdadeira, passar a mão na cabeça, fingir que estava tudo bem. Fico me perguntando o que teria acontecido em alguns casos se eu tivesse tido a coragem de falar que não estava tudo bem.
– Acredito que seu emprego está em jogo se você não se mexer.
– Não acho que a situação vai se resolver sozinha, você precisa tomar as rédeas e vai dar bastante trabalho.
– Aquele cara realmente não parece gostar de você.
– Não gostei do que você falou, aquilo me machucou.
E não estou falando de situações em que você não tem nada a ver com a história e vai dar uma de enxerido dando conselhos que ninguém pediu. Estou falando de momentos em que alguém próximo pede uma opinião sua. Ou em que você está diretamente envolvido. Situações em que sua opinião sincera seria benvinda e esperada.
Na minha formação em coaching tudo isso ficou mais claro, pois tive que encarar essa tendência a passar a mão na cabeça das pessoas. Isso era o principal feedback negativo que eu recebia dos meus professores. Com meus primeiros clientes eu amenizava as palavras, minimizava o que pudesse causar desconforto. Ao entrar em algo delicado e doloroso eu passava rapidamente a pensar em soluções, ao invés de ficar ali, no lugar incômodo, dar o tempo certo para a dor.
E para provocar uma mudança e ter uma conversa honesta, poderosa, não podemos nos esquivar da dor. Ao contrário, encarar a sua dor de frente e entender o quanto sua situação atual é limitante e às vezes até machuca, é fundamental para mudar.
Com o tempo vi que dourar a pílula e não ser honesto para “poupar” o outro não ajuda em nada. Será que você está mesmo poupando o outro? Ou está evitando ser o mensageiro? Fugindo de falar algo que desagrade e que machuque?
Quando o assunto é trabalho isso também é super presente e pode ter conseqüências graves. Por exemplo chefes que não conseguem expressar com clareza feedbacks negativos e no fim demitem o funcionário no susto. Ou empreendedores que percebiam que as coisas não iam bem mas tinham medo de enfrentar os sócios. Ou todas as vezes que deixamos de falar algo porque alguém “não tem estômago pra ouvir a verdade”.
Aliás, essa é a justificativa que usamos na maior parte das vezes: fulano não conseguiria agüentar a verdade, então é melhor não falar nada. Mas já reparou que nem mesmo confrontamos essa crença? Será que o fulano é mesmo tão frágil? E prefere viver em um mundo cor de rosa do que ter a chance de encarar a realidade?
Estava relendo um livro sobre conversas difíceis (falei nele semana passada no instagram, “Fierce Conversations”, da Susan Scott) e em um momento a autora conta que faz com freqüência a seguinte pergunta para seus clientes (em um contexto de trabalho):
– Em uma escala de 1 a 10, em que nível gostaria de ser confrontado?
( 10 sendo uma comunicação direta e reta, sem dourar a pílula em nada)
Surpreendentemente, a maioria das pessoas responde entre 9 e 10. E quando ela pergunta: em que nível você sente que tem sido confrontado atualmente? A resposta normalmente fica entre 3 e 4. As pessoas declaram ter muito mais coragem do que os seus colegas lhes creditam. Será que isso também não é verdade em relação a seus colegas e amigos?
Se deixamos de falar a verdade para os outros justificando que eles não tem capacidade de ouvir, estamos fazendo isso pelo outro ou por nós mesmos? É uma genuína vontade de ajudar? Ou a necessidade de agradar falando? O medo do desconforto?
O pior é que os outros de alguma maneira sentem a falta de sinceridade. Eles percebem que você não está sendo honesto e por vezes assume uma postura um pouco condescendente. A relação vai ficando artificial, engessada, onde muitas coisas não podem ser ditas. Você implicitamente está se colocando numa posição superior e o outro começa a se ressentir.
Por isso, da próxima vez que se vir mordendo a língua e se preparando para falar uma dessas meias verdades, experimente arriscar ser sincero. Se você realmente gosta da pessoa e quer ajudar, ela não merece saber o que você realmente pensa? Um olhar de fora de alguém que te ama é precioso. Assim você vai construindo relacionamentos mais verdadeiros, honestos, profundos. Dê aos outros a oportunidade de ouvir. Eles agüentam muito mais do que você imagina.